Um amigo, que irei chamar de Fred, trabalha em uma indústria multinacional fabricante de eletrodomésticos estava desenvolvendo um teste para verificar estanqueidade de máquinas de lavar. Este teste continha uma série de válvulas automáticas que deveriam acionar e desativar para liberar ou segurar a água nos produtos.
Em parceria com uma empresa terceirizada, estas válvulas começaram a travar, ora abertas, ora fechadas. Inicialmente, o fornecedor de válvulas mencionou que a água de seu cliente estaria suja e que deveria ser limpa para que as válvulas não travassem, resolvendo então a questão. Fred, o funcionário da multinacional, providencia para que toda a água do teste seja trocada por água filtrada e retoma os testes que logo tem suas válvulas travadas novamente. O fornecedor fica inicialmente confuso, porque as válvulas são testadas em sua bancada por mais de 19.000 ciclos, sem ocorrer nenhum único travamento em suas válvulas.
Milton, um experiente engenheiro que trabalha no fornecedor da multinacional ‘descobre’ o problema, uma vez que este já havia ocorrido com outro cliente: Um certo diâmetro interno da válvula deveria estar ligeiramente menor. Ele solicita a Fred todas suas válvulas para fazer o reparo, e , em uma semana lhe devolve as mesmas, logicamente após testá-las por mais de 22.000 ciclos sem nenhuma ocorrência de travamento, para garantir. Fred, ao receber de volta as válvulas prontamente agenda a instalação das mesmas em seu teste e,… elas travam…
Milton prontamente dispara que agora, sabe a solução:
É o material do êmbolo, mas para fazer esta troca, precisaria de mais uma semana para trocar o material, e, logicamente, testar as válvulas, agora por 25.000 ciclos. Fred sugere que façam testes na própria multinacional com as válvulas montadas, mas Milton diz que a solução é óbvia: “É óbvio que é o material…Como não percebi isso antes!?!?” – diz. Fred concorda em uma última tentativa, que não é de se espantar, fracassa; as válvulas travam novamente.
Fred muda a abordagem e diz que se não fizer o teste que ele propõe, excluirá a empresa de Milton do projeto. Milton invoca sua autoridade/experiência de mais de 30 anos no assunto e diz que tem certeza de qual é o problema: A placa de comando. Não aceita o teste proposto por Fred e tem sua empresa substituída por outra, que resolveu o assunto rapidamente.
Milton é um experiente profissional da indústria de válvulas automáticas e trabalha todos os dias com soluções para seus clientes de forma competente, enquanto Fred, um engenheiro com pouca experiência de trabalho não entende muita coisa de válvulas automáticas, delegando o projeto das mesmas à Milton. A integração das válvulas e o teste em si é de responsabilidade de Fred, que também sabe quais são os requisitos necessários para o produto da empresa em que trabalha. Os conhecimentos, então, devem ser compartilhados para que os dois trabalhem bem, e que a solução no final funcione atendendo os requisitos do produto.
Algumas perguntas ajudariam a melhorar este desenvolvimento como as óbvias: “Porque a válvula está travando?”. Perguntas óbvias são um bom ponto de partida para as próximas perguntas na investigação, neste caso, de um problema. Perceba que Fred aceitou prontamente o argumento de Milton sobre a água, e trocou toda água do seu teste (mais de 20.000 litros, e um dia de trabalho de 3 profissionais de manutenção). Novamente perguntas que ajudariam:
– Que tipo de sujeira não pode haver na água? Em que níveis de concentração?
– Esta sujeira que supostamente trava as válvulas está presente na água do teste de Fred? Como Milton comprova que esta sujeira realmente trava as válvulas? Existem dados? Fonte destes dados?
Em outro momento é mencionado que as válvulas são testadas em uma quantidade enorme de ciclos
e Milton cada vez aumenta mais o número de ciclos para ‘garantir’ seu produto,
porém o que foi descoberto depois, é que Milton testava as válvulas sem a presença de água, ou seja, de uma forma diferente com que seu cliente iria utilizar. Uma pergunta óbvia, mas não feita em nenhum momento: ” – Como é seu teste, Milton?”.
Perguntas óbvias deixam de ser feitas deixando passar alguns erros primários. Talvez Fred por ver Milton como experiente, não fez a pergunta, e Milton confiando excessivamente em sua experiência “sabia” a solução , porque sempre foi assim.
Milton tinha certeza da solução cada vez que a sua solução anterior falhava, porque, tinha seu arcabouço de soluções prontas em sua cabeça e achava que algumas delas funcionaria para o desenvolvimento em questão. Ele analisava superficialmente o problema (sequer olhava a válvula travada) e dava a solução, porque já havia visto aquilo acontecer.
Porém, esquecia, também, de avaliar o contexto em que o problema acontecia.
O problema em si era conhecido e certamente já visto por ele algumas vezes, porém o contexto em que o problema acontecia era totalmente diferente do que ele já havia visto. Perguntas sobre o contexto onde ocorre o problema são frequentemente negligenciadas, levando os especialistas a errarem em suas soluções.
Outro componente comportamental que atrapalhou Milton, foi não ter aceitado de um profissional menos experiente a proposição de um teste, afinal era esperado que o próprio Milton trouxesse a solução. Seu orgulho o fez não só não encontrar a solução mas também a ser excluído do projeto. Incompetência? Sim, incompetência em fazer algumas perguntas e aceitar outras. Ele entende de válvulas? Certamente!
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